Burnout não é só perda de propósito. Uma reflexão sobre o risco de subjetivarmos o que é estrutural
- asmpsicologia
- 2 de abr.
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Nos últimos tempos, tenho acompanhado uma onda crescente de conteúdos afirmando que o burnout não tem a ver com sobrecarga, cansaço ou estresse no trabalho, mas sim com perda de propósito, falta de alinhamento com a cultura da empresa, desconexão com o que se faz, entre outros.
E aqui vai um ponto de reflexão importante:
Quando reduzimos o burnout a uma questão subjetiva e individual, corremos o risco de tirar o foco da responsabilidade das organizações.
E sim, sentimentos como perda de sentido, desconexão com a cultura da empresa ou sensação de não pertencimento podem aparecer durante o processo de burnout.
Mas, segundo a CID-11, esses elementos fazem parte da segunda dimensão da síndrome: o distanciamento mental do trabalho, o negativismo ou o cinismo em relação ao que se faz.
O problema está quando esses sintomas são tratados como a causa do burnout — e não como consequência de um processo de esgotamento que foi se instalando silenciosamente.
Burnout não é um problema individual.
É um adoecimento que nasce dentro do contexto de trabalho.
E não sou eu quem diz isso — é a CID-11.
Então vamos recapitular, o burnout é um fenômeno ocupacional que resulta do estresse crônico no trabalho que não foi gerenciado com sucesso.
E que se manifesta por três eixos bem definidos:
- Esgotamento físico e emocional
- Cinismo e distanciamento mental
- Redução da eficácia profissional
A OMS também reforça que o "Burnout se aplica exclusivamente ao contexto ocupacional.”
Ou seja, trazer essa questão apenas para o campo da subjetividade, da perda de sentido ou da falta de propósito, como um fato isolado é desresponsabilizar as empresas.
E antes que digam que estou transformando as empresas em vilãs, é importante deixar claro:
Não é sobre atacar. É sobre ser realista.
Os números não mentem.
Cada vez mais pessoas estão sendo afastadas por burnout — em todos os setores, em todas as áreas.
Isso não pode mais ser visto como exceção ou fragilidade individual.
É hora de assumir responsabilidades.
Precisamos, sim, olhar com seriedade para a saúde mental no contexto organizacional.
E isso passa por reconhecer que as condições de trabalho também adoecem.
E se ainda houver dúvidas sobre a necessidade de responsabilização institucional, basta olhar para a NR-01, atualizada pelo Ministério do Trabalho.
A norma inclui os chamados riscos psicossociais, como:
- Excesso de tarefas
- Cobrança abusiva por metas
- Falta de pausas
- Clima organizacional tóxico
- Ambientes com assédio e desamparo
Ou seja: não é só a psique individual. É o sistema.
É a cultura de produtividade a qualquer custo.
É o modelo que exige sempre mais e oferece cada vez menos.
E a pior consequência desse discurso subjetivista é essa:
Ele culpabiliza quem adoece — e absolve quem adoece o outro.
Burnout tem causas organizacionais, sim. E enquanto a gente continuar romantizando propósito e colocando a responsabilidade toda no indivíduo, vamos continuar produzindo sofrimento.

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